Regime flexibilizou a entrada de alimentos e remédios trazidos por viajantes.
Ativistas cubanos denunciaram às Nações Unidas a prisão de 162 pessoas durante os protestos de domingo (11) em Havana e em várias cidades de Cuba e pediram ajuda para obter sua libertação.
No primeiro sinal de recuo, três dias após os maiores protestos desde 1994, desencadeados principalmente pela escassez de remédios e alimentos, o governo cubano anunciou que está autorizando “excepcionalmente e temporariamente”, por meio de passageiros que chegam ao país, a importação de alimentos, produtos de higiene e medicamentos sem limite de valor de importação e sem pagamento de tarifas.
Fontes na Casa Branca revelaram que o governo do presidente Joe Biden está revendo várias medidas adotadas durante o governo de Donald Trump para ajudar os cubanos que enfrentam problemas econômicos ampliados pela pandemia.
Segundo as fontes, a revisão poderia levar à flexibilização das restrições às remessas que os cubano-americanos podem fazer para suas famílias em Cuba. Estima-se que essas remessas sejam de algo entre US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões ao ano, representando a terceira maior fonte de divisas em Cuba depois da indústria de serviços e turismo.
Biden também estaria estudando levantar a proibição de viagens entre os EUA e a ilha, assim como a retirada da designação de Cuba como um “Estado patrocinador do terrorismo”, que Trump determinou dias antes de deixar o cargo, em janeiro.
O jornalista cubano Maurício Mendoza, que mora em Havana, disse ao Estadão que há um grande número de detidos no país, mas muitas pessoas de destaque já estão sendo soltas.
– Enquanto eu estava acompanhando as manifestações, estava comigo o jornalista Maykel González Vivero. Ele foi detido, mas foi solto no dia seguinte. O governo está tendo certo cuidado com quem tem mais visibilidade, porque não é conveniente ter pessoas notórias presas. Mas pessoas com menos visibilidade seguem detidas. O medo é [de] que, com essas pessoas, eles [o governo] queiram ensinar uma lição aos demais.
Segundo o jornalista, o clima é de medo.
– O que incomoda agora é esse clima de incerteza. Quando você anda pela cidade escuta os comentários das pessoas, e o que posso dizer é que há um descontentamento popular com o sistema. Esse pedido do presidente para que os revolucionários “saiam a defender a revolução”… Olhe, não posso ser categórico, mas ninguém vai sair a defender…
Mendoza afirma que uma estratégia do governo é usar paramilitares, vestidos de civis e armados com paus, para dizer que eles são parte do povo fiel à revolução e atacar os próprios cidadãos.
– O que Díaz-Canel está incitando é a uma guerra civil entre cubanos. Está mandando uma parte da população reprimir todos que não estejam de acordo com o socialismo – disse.
O engenheiro agroindustrial e ativista pelos direitos humanos, Gerardo Páez, disse que, em sua cidade, Artemisa, as tropas especiais, ou boinas negras, estão patrulhando as ruas de dia e de noite, mostrando sua presença para amedrontar a população e provocar a sensação de pânico.
– O que começou como uma marcha pacífica foi gerando outro tipo de comportamento. A polícia foi a primeira a agredir, até mesmo usando meios baixos, como quando direcionaram a manifestação até a unidade de polícia intencionalmente. Lá houve uma grande confusão. Um garoto teve as costelas quebradas, o que provocou uma perfuração no pulmão. Minha vizinha está internada pela quantidade de golpes desferidos por um boina negra. É quase um consenso entre a maioria dos cubanos não deixar as ruas, apesar da violenta repressão que sofremos, porque, se deixarmos, o regime vai se sentir empoderado – disse o ativista.
O poeta Eduardo Clavel Rizo, morador de Santiago afirmou que há muita repressão por parte do Estado.
– Eu trabalho com uma organização chamada Civil Rights Defender, em parceria com uma organização cubana, e o que fazemos basicamente é monitorar e documentar os casos de violação aos direitos humanos no país. Quando começou a movimentação [no domingo], não passaram nem 30 minutos, e a segurança do Estado já estava na esquina da minha casa, com a intenção de impedir que eu saísse e mobilizasse as pessoas que conheço. E ali ficaram até a manifestação ser sufocada. Isso aconteceu também com muitos opositores. Não foi um caso isolado. Basicamente, o governo tem reprimido bastante. Há muitas pessoas detidas. Não sabíamos o que estava se passando, mas agora, com a volta da internet, nos demos conta de que faltam muitas pessoas, e não há informação sobre elas.
Rizo também relatou a busca de familiares pelos desaparecidos.
– Os parentes têm ido às unidades de polícia perguntando por eles, e o que dizem é que não estão lá. Então o que se faz é reputá-los como desaparecidos, porque as pessoas sabem que eles estavam nas manifestações, têm testemunhos de que foram detidos pela polícia, e agora a polícia diz que não sabe onde eles estão.
Segundo Rizo, o termo “desaparecido” lá talvez não seja tão extremo como foi empregado em ditaduras latino-americanas, em que os desaparecidos nunca foram encontrados.
– Aqui, há um procedimento jurídico que, em casos em que alguém foi detido e não se sabe o paradeiro, apresenta-se um habeas corpus para identificar onde essas pessoas estão. Não chega a ser como as desaparições forçadas que havia nas ditaduras latino-americanas.
Fonte: Pleno News